Desde pequena que
me adjectivei de cidadã do mundo, filha de imigrantes Portugueses em França,
nunca bem nem uma coisa nem outra e que se criou a Comunidade Económica
Europeia e mais tarde a União Europeia aí, comecei a designar-me de Europeia.
Acho que foi por isso também que nunca gostei muito de rótulos e etiquetas.
Jovem adulta fui para Portugal, instalar-me e fazer vida, mais tarde vivi uma
experiência incrível de dois anos e meio no Dubai, e agora, estou a começar uma
nova aventura em Singapura. Achei que poderia ser interessante descrever a
minha experiência por cá, comparando-a com às minhas experiências anteriores de
França, Portugal e Dubai e assim se calhar ter um verdadeiro retrato do que são
verdadeiramente, as tais diferenças culturais, através das minhas vivências, através
das vivências duma cidadã do mundo.
http://voilacacestfait.blogspirit.com/ archive/2008/07/02/epilation.html |
Escolhi o dia de
ontem, se bem que não foi escolhido aleatoriamente, é claro, para pôr à prova
um dos primeiros passos da integração cultural, pelo menos para mim, a mais
assustadora: a procura duma esteticista. Assim, este primeiro relato
comparativo será da experiência duma cidadã do mundo, ou, a escolha de tortura
da mulher de ocidente para oriente.
Primeiro passo, o
momento.
Como referi, o
momento de eleição para me submeter à tortura é facilmente definido: o mais
tarde possível! Assim, nos primeiros dias que seguem a chegada ao pais, não
penso muito nisso, todos os meus sentidos e toda eu maravilhados som um mundo
novo, um mundo diferente: pessoas, paisagens, comidas, cheiros e cores. Mais
tarde quando aparecem os primeiros pêlos, o pânico instaura-se e discretamente,
começo a olhar para as mulheres com um olhar mais analítico. Não sei bem o que
procuro identificar, se calhar marcas de sofrimento ou a falta delas;
seguramente a falta delas, para me apaziguar a angustia que já imagino. Quando
chega o dia em que “daqui já não passa”, lá vou eu, à procura dum carrasco.
O segundo passo, o
carrasco.
Com tanto stress
que crio, a procura do local da temida epilação torna-se muito importante,
assim defini rapidamente uns elementos-chave: segurança e higiene. É que vamos
lá ver, a maca duma esteticista é um sitio de total vulnerabilidade, em que
confiamos na pessoa que nos atende, assim como nos seus instrumentos, para nos
proteger com toda a delicadeza, sabedoria e profissionalismo possível, do
inexorável avanço duma florestação simplesmente inaceitável; e mais uns quantos
adjectivos que nem sequer valem a pena ser enunciados.
Este passo, quando
somos adolescentes ou jovens adultas, não é assim muito difícil porque há
sempre uma mãe, uma irmã ou uma amiga para nos recomendar a sua esteticista,
que nos trata bem, não magoa, e respeita a nossa intimidade. E olhem meninas do
mundo que, esta é uma recomendação muito valiosa! Nunca a desdenhem. Nunca.
Ora, tal, não
acontece, quando metemos na cabeça que queremos ver o mundo e viver
experiências extraordinárias, porque quando chegamos a esses destinos
fabulosos, não temos, a mãe, a irmã, nem a amiga que nos dê essa preciosa
recomendação; temos de confiar apenas na sorte, e a sorte, nem sempre aparece à
hora marcada; mas entre a necessidade e a fé, lá fui eu, a procura da pérola.
Dirijo-me sempre primeiro a um centro comercial, parece que dá uma espécie de
aval, o facto de ser um sítio público, com muita passagem... e que, caso a
coisa não corra pelo melhor, alguém, de passagem, ouvirá os meus pedidos de
socorro. Está assim assegurada, tanto quanto possível, a parta da segurança,
mas a parte da higiene, não é tão simplesmente avaliada.
O terceiro passo,
o teste.
Acho que não
existem segredos sobre como testar um serviço, eu opto por, inicialmente, pedir
um serviço de baixo risco, algo simples e como tal, vamos arranjar as
sobrancelhas. Primeira diferença cultural. Em França, fazem-se sobrancelhas,
em Portugal, arranjam-se sobrancelhas, no Dubai e em Singapura, limpamos
ou afeiçoamos as sobrancelhas. Mas isto tudo é semântica! O que interessa,
é o serviço, que seja bem feito, bonitinho, limpinho e baratinho. Mas lá está!
Quando se passam fronteiras, também muda a técnica: em França, é com cera,
rápido, sem um sorriso, e uma factura bastante salgada. Em Portugal, ainda se
consegue encontrar quem faça à pinça mas isso já é quase considerado artesanato
porque demora mais tempo e que como todos sabemos: tempo é dinheiro; no
entanto, é muito melhor, pois, a cera irrita a pele muito sensível nessa zona e
tendencialmente, a pele perderá da sua tonicidade.
Quando cheguei ao
Dubai, mandaram-me deitar na maca, até aí, nada de anormal. Eu habitualmente
começo aí os meus exercícios de respiração para tentar relaxar ao máximo e
conseguir superar a prova (Ok, isto não se aplica tanto aqui, quando se vai tratar
das sobrancelhas, mas quando o serviço é mais complicado, então aí, sim.) Mas
voltando... Lá estou eu, deitadinha na maca e vejo a senhora chegar ao pé de
mim com um rolo de fio de costura na mão, segurando uma das pontas entre os
lábios e dizendo-me entre dentes para “segurar o olho”. “Sorry, come again.” O
quê que ela quer? Então a senhora, com pouca paciência e tal, sorri, pega nos
meus dedinhos e posiciona-os na minha cara de forma a esticar a pele da zona
que ela vai tratar e se calhar proteger o olho do ataque que se prepara.
Esse método, é mais doloroso, é certo, mas também mais higiénico e se bem
feito, até tem efeito mais duradouro; quanto ao custo, tendo em conta o custo
elevadíssimo dos materiais e dos recursos, o preço é o dobro do que se pratica
em Portugal, é claro, Dubai é Dubai.
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Mas o verdadeiro
trauma surgiu a minha introdução ao método Singapurense, quando a senhora se
chega a mim com uma lâmina de barbear. Isso! O choque! Hoje repenso nisso e até
imagino um olhar maquiavélico na senhora, típico dos manga, olhos vermelhos e fumo a sair.
Confirmo; um trauma. Na verdade, a lâmina era pequenina e até cor-de-rosa
(faz-me parecer que as Singapurenses pensam que tudo fica melhor se for cor-de-rosa).
O trabalho foi minucioso, sem dúvida. E ainda tenho os meus olhos, é verdade.
Mas pareceu-me tão arcáico até bárbaro que entrei em choque e não consegui
pensar em mais nada nas horas seguintes como se tivesse sido maltratada. No
entanto, ficou bem feito e não senti dor física; mas não garanto da longevidade
do resultado, como é óbvio, quanto ao preço, três vezes mais caro do que em
Portugal.
Por último, a
lição.
A experiência foi
concluída com sucesso: as sobrancelhas foram feitas, arranjadas ou afeiçoadas.
E conclui-se que a minha pesquisa da esteticista ideal em Singapura não acabou,
mas também não estou admirada: tal como referi, encontrar uma esteticista com
quem nos sentimos bem é importante, em França nunca encontrei nenhuma, em
Portugal tive duas, no Dubai, demorou mas consegui, então Singapura continua a
não me assustar porque ei de arranjar o carrasco certo!
Ainda sobre
diferenças culturais, gosto de ter esta sorte de poder viver estas experiências
à maneira duma local e verificar como se é mulher por esse mundo fora.
Tenho o privilégio de conhecer mulheres do mundo, todas diferentes na sua
língua, na sua crença, na sua postura, na sua profissão, mas toda igual, quando
chega a hora de se aperaltar, porque por muito natural que seja a mulher,
quando o momento é certo, haverá sempre uma flor no cabelo, uma cor nos lábios
ou até um brilho nos olhos.
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