Saturday, August 4, 2012

a saudade


Lembro-me dos meus tempos de universitária; conheci num café explorado na altura por uma família cabo-verdiana, um jornalista, que escrevia peças para a Rádio Alfa, na altura a rádio lusa dos arredores de Paris. Esse senhor falou-nos uma vez, a mim e aos meus colegas, deste povo português e da sua especificidade, se calhar ainda herdada dos tempos dos navegadores portugueses que exploravam o mundo, com os seus muitos sucessos e o orgulho que originavam, da Saudade. Este termo, dizia ele intraduzível, representa muito mais do que uma simples nostalgia, representa algo, que só pode ser manifestado, cantando, pelo nosso Fado.

Hoje, lembro-me desta Saudade, desta Nostalgia e penso. Muitos amigos, como eu, optaram por emigrar e assim se espalharam pela Europa, relembrando a onda de emigracao dos anos 60 para fugir a pobreza e a dictadura; outros para Macau ou o Brasil, regressando a terras em tempos conquistadas pelos nossos antepassados. O povo português continua hoje ainda um povo de migracao e lá carrega com ele toda a Saudade que o caracteriza. Hoje muito facilmente nos apercebermos de pequenos sinais desta Nostalgia pela via dos novos meios de comunicacao e das redes sociais. Diz que a bandeira Portuguesa foi a que mais vezes foi publicada no facebook na altura do Europeu de futebol no passado mês de junho de 2012, o emigrante apoia a selecção, apoia Portugal; para mim, clara manifestação da Nostalgia que sentimos.

Isto tudo levou-me a pensar, de que temos saudades? Falo por mim quando digo que tenho Saudades dos momentos passados com as minhas amigas, as festas, os sorrisos, as alegrias. Tenho saudades das sextas-feiras de verão, na esplanada do café Kazino do Pedrogao, a beber umas minis na companhia de amigos contemplado o pôr de sol no mar da nossa praia. Acredito que, na vida, o que mais nos realiza são estes pequenos momentos que nos enriquecem a alma, e as pessoas que nos aquecem o coração. Saudades dos Amigos.


Mas acredito também, que estas Saudades têm de ser preservadas e guardadas num cantinho da nossa memória, num cantinho do nosso coração, porque é lá o lugar delas. Temos saudades do que nos lembramos, e não podemos esquecer que nada é imutável, que com o tempo, as coisas de que nos lembramos mudaram, tal como nós também mudámos. A cada dia que passa, impregnamo-nos do que nos rodeias, novas pessoas, novas experiências, novos sentimentos, e acredito que o mesmo acontece com tudo. A única coisa que não muda, é o momento que nos lembramos e as pessoas inseridas nesse preciso momento e os sentimentos experienciados naquela exacta circunstância.

Assim, quando regressamos a lugares do passado, eles também mudaram. Pensei nisso porque um amigo meu, também emigrado, publicou no seu perfil uma foto duma discoteca exprimindo a saudade dele em relação aquele sítio fantástico, e lembrei-me, aquele sitio foi fantástico, mas só continua a ser fantástico nas memórias que temos dele, hoje, já só é um monte de cimento com cores diluidas pelo tempo, com brilho terno. E pensei. A Saudade que sentimos tem a ver com aqueles específicos momentos importantes para o nosso coração, e é onde pertencem, num cantinho das nossas memórias.

Penso que, quando tentamos reviver memórias passadas, só nos podemos sentir tristes porque o momento nunca poderá ser o mesmo, o sítio é diferente, as pessoas são diferentes e nos próprios também já não somos os mesmos. Acredito que a tristeza é dupla: há a desilusão que surge quando a tentativa de recriação do momento não é bem sucedida, e a tristeza por procurarmos alegrias onde elas já existiram em detrimento de onde elas ainda podem vir a existir. Temo que, na tentativa de recriar momentos, deixemos escapar outros, outros momentos, outras alegrias, outras recordações. Acho que é um risco que não quero correr. Quero acarinhar tudo o que fez de mim a pessoa que sou hoje, mas quero continuar a evoluir e não parar no tempo, não tentar regressar a momentos que já não são, nem nunca mais serão.

Quando o jornalista falava na Saudade portuguesa ser intraduzível por ser muito mais que uma nostalgia, ele disse, que era porque esta nostalgia trazia fiosinhos de tristeza; na altura pensei ter percebido o que ele queria dizer, hoje acredito que sei o que ele quis dizer, porque este sentimento, esta nuance também já faz parte de mim, algo que com os meus vinte anitos não podia entender.

Hoje, tenho Saudades de momentos que para todo o sempre acarinharei. E hoje quero criar e criar e criar mais Saudades.

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